CERVEJA
Criatividade sem moderação
Os fãs de cerveja não têm do que reclamar; agora muito mais diversificada, ela se apresenta com vários sabores e aromas
05/04/2013 - 07h55
Adriana Giachini/Especial para a Metrópole
revista.metropole@rac.com.br
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Pelo mundo, é possível encontrar as de banana, chocolate, limão, framboesa e abóbora, só para citar algumas. Algum palpite sobre o assunto em questão? Errou se respondeu cachaça. A bebida referida tem, pode-se dizer assim, “feições” mais louras e temperaturas mais baixas.
Uma das novidades mais recentes é a de cana-de-açúcar da Cervejaria Wäls, que ainda não chegou ao mercado, mas já chama atenção pela mistura ousada e o alto teor de açúcar.
“Ela é fácil de beber, tem aroma frutado e leve acidez”, antecipa o proprietário da empresa, José Felipe Carneiro. Segundo ele, a cerveja foi produzida com uma levedura norte-americana geneticamente modificada, com apenas 6,5% de álcool, trazida de Nova York. A “saison caipira”, como foi batizada, tem sabor típico do interior da Bélgica, com alta carbonatação e teor alcoólico entre 6% e 8%. A novidade é que para a produção serão utilizados, além dos maltes especiais, lúpulos nobres e caldo de cana-de-açúcar.
Da criação da cerveja participou o mestre cervejeiro norte-americano Garret Oliver. Ele tem no currículo mais de 800 degustações, jantares e demonstrações culinárias em 14 países e escreve regularmente para periódicos de gastronomia, sendo reconhecido internacionalmente como expert no assunto. A Wäls é famosa por sua versatilidade nas receitas. Um dos seus rótulos mais populares é o 42 e combina amêndoas, abacaxi, limão e café.
Desde sempre assim: versátil
Fato interessante quando se fala em cerveja é que a bebida vem, historicamente, alimentando-se dessa curiosidade sem moderação para manter-se no topo da preferência de muita gente, nos quatro cantos do planeta. “Essa variação de sabores combina com a cerveja. Tanto que as primeiras, feitas há 8 mil anos, já eram aromatizadas com ervas e méis”, conta Maurício Beltramelli, que ano passado lançou, pela editora Leya, o livro 'Cervejas, Brejas & Birras', sobre a trajetória da bebida no mundo.
No Brasil, a história começa com os índios, que a preparavam com milho mastigado e cuspido. A “cauim”, como é chamada, até hoje é feita em vários aldeamentos da América do Sul. No País, algumas tribos mantêm a receita, mas utilizando a mandioca. “Dizem que a de milho tem gosto de leite azedo”, comenta Beltramelli.
O autor fala da chegada da cerveja ao Brasil. “Em 1630, uma armada da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais bloqueou o Litoral pernambucano e desembarcou um exército que conquistou as cidades de Olinda e Recife. Era o início da ocupação holandesa, que teve o conde Maurício de Nassau como protagonista. Dizem que ele trouxe ao Brasil um cervejeiro chamado Dirck Dicx e a planta de uma cervejaria que chegou a ser montada em 1640 numa residência de Recife. Quando a ocupação holandesa se encerrou, em 1654, os europeus levaram as cervejas consigo”, relata.
Ainda segundo Beltramelli, a situação começou a mudar com a vinda da Família Real portuguesa em 1808. “Consta que o rei português D. João VI era um apreciador da bebida, e teria trazido vários tonéis de brejas em suas naus”, diz. Ele teria aberto os portos brasileiros às nações amigas, abolindo o até então monopólio comercial lusitano. Foi aí que a Inglaterra, aliada dos portugueses, trouxe seus produtos para cá. “As primeiras cervejas brasileiras da gema eram chamadas jocosamente pela população que as consumia de 'marca barbante', por causa do seu método rudimentar de produção.
Elas tinham um grau tão alto de fermentação que produziam enorme quantidade de gás carbônico dentro das garrafas. O jeito era improvisar e prender as rolhas com barbante para que não saltassem inadvertidamente atingindo e ferindo o botequeiro.”
Tereza
Além da “caipira”, o mercado brasileiro tem outra novidade para cervejeiros. Em homenagem à diversidade artística do Brasil, a rede Mr. Beer lançou em dezembro a Tereza, uma pilsen extra hop, com doses excedentes de lúpulo e suave sabor de amargor. No rótulo está a mulher brasileira, estilosa, inteligente e de personalidade, referenciando o bom gosto feminino, público que representa 40% do total da rede.
Do escritório para o balcão
Em Campinas, o Brejas é paraíso para os cervejeiros, a começar pelo dono, que trocou o escritório de advocacia pelo ofício de sommelier de cervejas. Tudo por conta de uma viagem à Itália, há alguns anos. “Não há limites para adicionar ingredientes às receitas”, defende ele, antes de dizer que, na sua opinião, os cervejeiros modernos estão apenas colocando em prática o que os antigos ensinaram. “O importante é deixar o preconceito de lado e experimentar”, diz. No cardápio do bar, há uma infinidade de rótulos especiais brasileiros, que competem de igual para igual com os internacionais.
Os brasucas, aliás, são cada vez mais populares entre os que se interessam pela história que vai além de um copo cheio na mesa do bar. No Brejas, assim como em outros bares especializados na bebida, o frequentador tem dificuldade ao escolher entre sabores como morango, framboesa, coco, chocolate (tem uma especial de toblerone), cereja, maçã-verde, abóbora, gengibre, limão, mandioca, mel e café. “Com perfis sensoriais mais complexos se comparadas às standard larges massificadas, as especiais oferecem experiências gastronômicas que dispensam o consumo exagerado. Por isso, esse mercado ganha cada vez mais adeptos”, comenta.
A relação de Beltramelli com a bebida surgiu ao acaso. Numa viagem pela Europa com cinco amigos, veio a paixão avassaladora. O “primeiro” contato, recorda, foi na Itália quando, cansado após horas dentro do avião, o campineiro quis matar a sede. Provou uma Chimay Bleue. “Era diferente das cervejas que eu conhecia, muito diferente”, diz. Por diversão, os amigos decidiram que iriam experimentar o máximo de rótulos possíveis e anotar tudo em um caderno. Escreviam sobre a composição e as impressões. No Brasil, o “manual”, de tão requisitado, virou site (www.brejas.com.br) inicialmente criado apenas para compartilhar a planilha. O número de acessos impressionou.
“Depois da viagem, criei o hábito de, sempre no final do dia, experimentar uma cerveja diferente e escrever sobre ela”, conta Beltramelli, que passou dois anos anotando tudo antes de dividir seus conhecimentos na internet. A página rapidamente virou um sucesso, facilitando a decisão de deixar a advocacia e viver feliz para sempre ao lado de sua loura. Ah, ele já experimentou, até hoje 1.055 rótulos do mundo todo. Somente na viagem à Europa (que motivou sua paixão), os amigos provaram 120 estilos.
Mais uma bela história de amor
Em 2009, nasceu a Sauber Beer, microcervejaria de Mogi Mirim tocada com paixão pelo casal Renato e Vanesca Marquetti, juntos há 40 anos. Quem conta a história é o proprietário, engenheiro químico aposentado. “Eu sempre gostei de cerveja até que, aposentado, vi um anúncio sobre um curso para rótulos artesanais. Fui com a minha mulher e assim surgia a marca, com a minha esposa no fogão, me ajudando a fazer”, conta.
Com cinco anos, a marca vai se consolidando no segmento alternativo de rótulos especiais e conquistando fãs com uma variedade impressionante. A de abóbora é o carro-chefe, mas a receita é inspirada nos Estados Unidos. Recentemente, a dupla lançou uma que leva 25 especiarias, como pimenta, orégano, cravo, canela, pimenta-vermelha etc.
“A gente fica curioso quando ouve falar de cerveja diferente e tenta fazer. Temos uma de gengibre, criada porque um genro me desafiou a fazer cerveja para comer com sushi”, recorda. A Sauber tem outros sabores diferenciados, entre eles limão-siciliano, tangerina e erva-cidreira.
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